20.6.11

Só danço samba?


Entre Ríos é uma província do interior da Argentina. Paraná, a capital, tem 237 mil habitantes, turística pela beleza de seus rios, e do Brasil conhece o carnaval, a feijoada e a canção “Llora, me llama”, de João Bosco e Vinicius, que se repete nas bocas e nas rádios da população cinco vezes nos dias úteis e mais de 10 nos finais de semana e dias de festa. 

Para quase a totalidade dos meus entrevistados, a palavra Tom Jobim é metonímia de “Garota de Ipanema” e nada mais sabem sobre o assunto. O quase, no entanto, é formado por um trio e seu seleto público. “Homenaje a Tom Jobim” é um projeto audacioso de três músicos paranaenses que descobriram o compositor brasileiro, se encantaram e querem levar suas composições pela Argentina. Em uma tarde chuvosa de um estúdio improvisado e com o fiel companheiro mate, eles me contaram um tanto de história e me mostraram como fica bem unir o agito da Salsa argentina à calmaria da nossa Bossa.

Matias Main, Hernan Loglio e Charly Ricciardino se conheceram pelos palcos argentinos. Os três são músicos de infância. Matias começou piano aos 4 anos, Hernan começou com o violão na molequice e foi trocando os fios de nylon pelo aço do baixo. Charly, aos 11, já tocava bateria. Ainda que por percursos distintos, os três conheceram Tom Jobim em seus estudos de música e decidiram tomar gosto pelo que, de imediato, parecia desafiador. Nas palavras de Matias, “é um estilo que necessita estudo e muita dedicação. O Tom revolucionou a música tanto na parte técnica quanto na intelectual. Toda revolução é um grande desafio”.  

De gosto tomado, veio a ideia de capitalizar o potencial. Hernan é quem toma a voz: “De início, queríamos ganhar dinheiro com o Tom. Agora fazemos porque gostamos e, principalmente, temos admiração pelo que ele representou para a música”. Há 8 meses o grupo ensaia e faz alguns shows por Entre Rios e outras províncias. Um só ensaio foi decisivo: “Sentamos para fazer um teste e tocamos por horas.Tem como parar?”, me questiona Matias.

Em tão pouco tempo, eles já tem um repertório de 14 músicas harmonizadas com um pouco de blues, uma pitada de salsa e algumas gotas de tango em uma base de Bossa. Modificações que o grupo faz questão de dizer que não são pretensiosas, apesar de terem uma qualidade singular. “Nós respeitamos o original. Apenas colocamos o que cada um de nós tem em particular, que vem da música argentina”, explica Charly.

Assim, a suavidade de “Água de Beber” ganha um ritmo “ablueseado” que se integra à composição inicial. “Brigas Nunca Mais” leva tanta paixão em cada nota que quase se pode ouvir a voz de Tom ao fundo. Insensatez perde um pouco de melancolia, porém ganha um tanto de vida com um solo de salsa ao fim. O trio tenta encontrar ritmo próprio sem perder a base, o que Matias justifica pela nacionalidade. “Não podemos tocar como brasileiros, porque não o somos, então, recriamos os temas com o que conhecemos”

Por não ser o único projeto dos músicos, que entre tributos a Santana, música de folclore argentino e um pouco de tudo participam de 3 ou 4 bandas cada um, a “Homenaje a Tom Jobim” vai ganhando espaço aos poucos. Com uma página no facebook, e um blog divulgam o trabalho e procuram um nome oficial. 

Hernan, Charly e Matias
Entre as maiores pretensões, está a vinda para o Brasil, sobre a qual Matias fala com uma certa insegurança  bonita de se ver: “Lá eu não sei se posso me atrever a tocar música brasileira. O que os brasileiros vão pensar?”. Eu penso que nos sentiríamos muito bem homenageados e positivamente surpreendidos ao sentir os pés bailando em salsa o que foi feito pra bailar em bossa. Não só samba dançamos nosotros brasileiros. “Já dancei o twist até demais”, diria meu querido Tom?

19.6.11

A vida de cada um como obra de museu

  A professora Adilma Soares de Carvalho e os seus dois irmãos gostavam de dormir todos juntos no chão da sala quando chovia. A chuva era um pretexto para que eles passassem toda a madrugada acordados, conversando. O gosto infantil acabou em uma grande confusão com direito a muitas louças quebradas e algumas palmadas
  A psicóloga Raquel Barros não pode ter filhos, o seu grande sonho. Para superar a imposição biológica, ela criou a ONG Lua Nova, que cuida de mães carentes. Por lá, a jovem Selma Amparo largou as drogas, descobriu a arte de ser mãe e soube, pela primeira vez, como era um abraço.
  O alagoano Adaildo José da Silva, de 26 anos, retomou os estudos há pouco tempo e já pode escrever sobre si mesmo: “Sou trabalhador e tenho muito orgulho de mim”.
  
  Desde crianças ouvimos histórias. O “Era uma vez” das fábulas faz parte do nosso imaginário mesmo depois de crescidos. Desde essa mesma época, no entanto, talvez por uma falha do senso comum, somos ensinados a desacreditar da nossa própria história de vida, buscando na fantasia ou realidade alheia aquilo que está em nós mesmos. Empenhado em reverter tamanho equívoco é que nasceu, em 1991, o Museu da Pessoa.
  Pouco mais de 10 anos em funcionamento e com um acervo de 12 mil relatos, ele torna evidente a importância que tem cada história de vida. Joãos, Raimundas, Marias, Eduardos, Filomenas e nomes de todo lado participam da riqueza documentada pelo projeto pioneiro no mundo. “Um museu virtual de histórias de vida que tem como objetivo transformar a história em conhecimento”, explica a historiadora Márcia Ruiz, responsável pela memória institucional e uma das pessoas que acompanharam e viram surgir cada um dos registros de vida que o museu abriga hoje.
  O projeto começou sem muitas pretensões.  Em 91, a fundadora do museu Karen Worcman apresentou um trabalho sobre a memória da emigração no Brasil, no Instituto Oswald de Andrade, em São Paulo. Por lá, ela conheceu Márcia, que trabalhava no instituto, e o seu trabalho se tornou tão bem falado que ela resolveu manter-se em busca das memórias. Nessa busca, outros grandes parceiros começaram a aparecer. Cláudia Leonor Guedes, José Santos e outros nomes que, juntos, colocaram em prática a idéia até então adormecida.
  Assim, em 92, com a união dos afins, o museu começou a ganhar forma. “Nós pensávamos: “As pessoas pesquisam e cuidam de tantas coisas. Por que não cuidar das histórias de vida?”, conta Márcia. O que eram só idéias, foi se transformando em instituição. As histórias de vida começaram a ser coletadas, mas ainda não se sabia exatamente o que seria feito delas.
  O primeiro projeto realizado pelo museu foi o “Memórias do Comércio do Rio de Janeiro”, a pedido do SESC. Até então, os relatos eram coletados e disponibilizados em CD-ROM. “A história de cada um deveria voltar para a sociedade. Com o advento da internet, nós descobrimos uma forma de viabilizar esse retorno”. Em 2006, então, o portal do Museu da Pessoa entra no ar e a “democratização das histórias” passa a ser feita de forma eficaz.
  Com o advento da internet e a criação do acervo virtual, o Museu da Pessoa ganhou novas dimensões. Márcia sabe identificar os elementos que fizeram com que através do portal, o Museu passasse a cumprir os seus objetivos sociais. “Com o portal nós passamos a ter espaço para receber e disponibilizar as memórias. Nós pudemos produzir e fazer uso das histórias e mostrar para as pessoas que a contribuição de cada um é o que faz a história de um país ser interessante”.
  Aos poucos, a ideia que de início era tímida, ganhou estrutura e visibilidade. O portal foi montado pelas muitas de histórias de vida que de tão reais parecem inventadas. Hoje, além de abrigar mais de 12 mil relatos, ele guarda também 780 vídeos e aproximadamente 70 mil imagens que ajudam a reconstruir a identidade nacional. O espaço é aberto a todos, sem alguma distinção, e as histórias podem ser enviadas pelo portal ou pessoalmente. 
  Na sede, em São Paulo, além de rodas de histórias e outros eventos, os contadores podem gravar seus relatos em vídeos ou levar seus registros impressos. De quando em quando, organizam coleções. E aí aparecem aqueles com “Histórias que mudaram o mundo”, “Minha escola tem uma história”, “Cultura Viva” e outras segmentações que propõem a junção da história de cada um para relembrar o que é o todo. 
  O senhor Salomão Rovedo, por exemplo, viu boa parte do comércio do Rio de Janeiro se formar e reconstrói todo o cenário em sua memória. "Hoje quem passa ali e vê aquele enorme espaço, a terra que um dia foi entulho, poeira e pedra, transformada num pedaço de mata atlântica em plena meninice, sente junto com a alegria que o verde traz, a sensação de que alguma mágica se fez, algum milagre se deu”.

Mil folhas é muito pouco

Neuza aos 22 anos

  "O meu nome é Neuza Guerreiro de Carvalho. Neuza é com Z e eu faço questão que coloquem meu nome completo. Do contrário não sou eu". Essa é a exigência que dona Neuza faz nas entrevistas que dá aos muitos admiradores de sua história. História que encontra sua graça maior justamente na paixão que ela nutre pela história de vida da sua família e pela sua identidade, que como bem demonstra, ela garante começar pelo nome. 
  Colaboradora do Museu da Pessoa desde 97, a dona Neuza é quem tem a maior história publicada no acervo. São mais de 1000 folhas de relatos no site e uma entrevista que durou mais de quatro horas. Ainda assim ela afirma: "Não falei nem metade do que tenho para falar. Duas horas é muito pouco"
  Aos 80 anos, ela quebra todos os estereótipos sobre a terceira idade. Entende tudo sobre internet. Tem dois blogs. Picasa. Facebook. Orkut. E-email – que ela já considera um tanto defasado para os seus aprendizados - e, além desses conhecimentos tecnológicos, ela preenche todo o tempo do seu dia com cursos, aulas que ministra e assiste, atividades culturais e a escrita do seu próprio livro. Assim, com um tanto de olgulho pela agenda sempre ocupada, ela comenta: "Você teve sorte de me encontar em casa. Eu nunca estou por aqui".
  Professora aposentada há 40 anos, ela precisou descobrir algo que "ocupasse a cabeça" e teve certeza de que o melhor seria contar e recontar histórias. "Eu sempre achei fundamental registrar a nossa história de vida. Depois que aposentei, decidi me dedicar a isso". Dona Neuza, então, começou um trabalho que ficou conhecido no país todo. "Alguem da família tinha um diário que ficou guardado por gerações. Eu peguei esse diário e fui indo devagar. Entrei em contato com muita gente e comecei a traçar a árvore genealógica de toda a família Guerreiro de Carvalho", conta. Hoje, em sua casa, que fica no centro de São Paulo, ela reune caixas e mais caixas de registros sobre a história de seus antepassados. 

Dona Neuza - Credito: www.folha.uol.com.br
  Antes de conhecer o Museu da Pessoa, no entanto, ela se queixava de que não tinha onde colocar tantos registros. "O museu disponibilizou a divulgação de anos e anos de memórias". Assim, ela se tornou uma das principais colaboradoras. "As gerações vão passando por mudanças. O tempo que passou não tem volta e o único jeito de guardar é registrando as histórias. É isso que o museu faz".          
  Atenta ao que acontece ao seu redor, ela justifica pontualmente o apego às memórias: "Quando eu falo que me casei virgem eu estou dando um depoimento sobre uma época. Na minha época de moça, a gente não tinha anticoncepcional, por exemplo, e todo mundo morria de medo de engravidar. Esse cotexto reflete no momento de agora". 

Rodamundo

  Meu namorado me perguntou por que eu parei de escrever aqui. Depois de uma longa conversa, entre argumentos convincentes, outros não e a desculpa cômoda – ainda que bem sustentada – da insegurança, decidi que na verdade não há um motivo grande o suficiente para me afastar de um dos meus maiores gostos. Ainda que nunca pare de escrever, afinal a carreira de Jornalismo está de mãos (e pés) atadas às palavras, às vezes deixo que vire rotina o costume de fazer de diário a sete chaves o que há de opinativo no que eu escrevo. Assim, coleciono folhas de pensamentos, idéias soltas e outras não, contos, e tudo o mais que me dá na cabeça escrever, em caixas e fundos de gaveta. E roubo das minhas próprias palavras o direito à vida. Porque é isso que elas ganham quando são lidas, comentadas ou apenas colocadas para fora. 
  A partir de agora, então, eu decidi tentar de novo, porém mudando um pouco o foco desse blog. Nesse tempo em que andei distante, descobri o Jornalismo prático. Aquele de ouvir o outro e fazer dele palavra escrita (entre tantas outras coisas). Assim, além da parte literal, os fragmentos viajantes desse blog também ganharão um pouco de Jornalismo cotidiano. Arte e realidade sempre andaram tão juntas quanto o Jornalismo e as palavras e aqui eu me concedi o direito de misturá-las como bem mandar a minha criatividade. 


  Sejamos bem-vindos de volta! (e que dessa vez dure!)