25.11.08

Eco

Está aberto, logo se vê De perto ou do ponto mais alto. Se vê que está aberto. Aberto e inflamado. A olhos comuns se vê a vermelhidão do vazio mesclada à brancura da superlotação. Em veias saltadas. Ofegantes. Está aberto, logo se vê E a cor que mistura vermelho e branco Fecha ao aberto um mosaico fragmentado de texturas interpoladas. Logo se vê A falta nunca é discreta quando o aberto se torna constante E as cores interpoladas vibram em descompasso perdendo entre pólos suas essências, para a solidão constante

4.11.08

Desencontro

Era ele. Que seja celebrada a tecnologia, permitindo o ensaio do mais inesperado alô. Amaldiçoada seja a mesma tecnologia, ensaiando as mais inesperadas surpresas. Ainda que não fosse tamanha surpresa assim. Mantinham os laços ilusórios que se firmam quando surge a cordial idéia da amizade depois do fim. Embora falar em amizade torne mais insustentável o cenário em queda. O fato é que era ele. O tempo longe fazia surgir, como se pode supor, a ansiedade. Ansiedade essa responsável por um quase que atrapalha a semelhança perfeita entre ela e a pose inabalável das marquises. Uma ansiedade cujas raízes estão no medo. Ainda que o tempo compartilhado o tivesse solidificado no imaginário dela, o tempo longe, em que estiveram como linhas paralelas, fizera surgir a dúvida quanto a solidez do seu imaginário. Nos dias mais escuros, essa solidez passava ao estado inclassificável das espumas. Daí vinha a ansiedade, atrelada ao medo de que todos aqueles dias o tivessem feito esquecer. E na mais cruel das hipóteses, aquela que ultrapassa o esquecimento, temia que ele a tivesse colocado na sombria estante da indiferença. Aquela mesma onde se guarda o tempero insosso. O telefone, então, não tocaria e aquele dia perderia o que adquirira de especial. O celular, agora, tocava freneticamente aquelas musiquinhas imbecis. Piscando feito um chafariz de cidade pequena em dia de festa. Quatro anos havia se passado e era assustador sentir esse tal passado presente. Constatar que ele não estava fazendo jus ao nome e ressonava, feito sinos barulhentos, dia a dia. Ela terminou o copo de água. Respirou mais fundo. Olhou pela janela da cozinha e atendeu. Alô. Como vai. Quando vem. Assuntos fartos de cordialidade. Cordialidade e interesse desinteressado. Ela falou das novidades. Acabou por priorizar as ruins. Com ele podia deixar-se vagar pela parte ruim das coisas sem repreensões fartas de falso ânimo. Ele contou algumas poucas coisas. Desde sempre era ela quem falava mais. Naqueles tempos ele poderia completar as noites ouvindo-lhe falar sobre roupas, metas e deslizes. Completava sua vida com a vida que saia de cada palavra dela. Agora as tarifas telefônicas davam-lhe uma bela desculpa para não repetir tais noites ilusoriamente completas. Ele sentia-se terrivelmente bem pela desculpa realista que lhe permitia apenas ouvir o que estava dentro dos padrões daquela cordialidade, impulsionadora de ligações vagas. Ela, no entanto, poderia passas noites completas com ele. O seu sentido de completude não havia sofrido desvios. Assim como a sua sede pela sede que via nos olhos dele ao buscarem as palavras que lhe saiam da boca. Delicadamente, ele citou o raro preço das tarifas. Ela nunca havia atentado para o quanto tais tarifas poderiam ser caras. Ela entendeu, também delicadamente, a carestia dos números e dos fatos. Foi logo tratando de silenciar todo o acervo desesperado que, acumulado naquele ano de espera, via-se livre. Prendou-o novamente. Fundo. Ele apressou-se em consumar a ligação. Não seria de nada cordial que se formasse aquele famoso silêncio feito apenas para que se ouça a respiração alheia. E junto com ela todo o sentimento que, por explicações cósmicas, ultrapassa a barreira dos fios e se faz explícito de lado a lado. Parabéns. Felicidades. E uma vida completa. Obrigada. É bom ouvir você. E o silencio. Precedido de uma rápida e premeditada despedida. Premeditada afim de evitar maiores movimentos incordiais. Desligaram, prometendo, sem nenhuma intenção de consumação, que se veriam em breve. Desligaram. E o silencio que se fez na cozinha foi capaz de depreciar as panelas e os copos. O ferro e a água. Ela mesma, inteirinha. Lágrimas cordiais caíram dos seus olhos. Teimosas e infiéis. O arrependimento inundou todo aquele espaço e misturou-se ao cheiro das comidas no fogão. Pensava ela na sua exigência exagerada. Nas horas que passou ansiando pelo irreal e deixando o real esvair-se. Ao enaltecer o que era simples, tornou-o inatingível. O amor não deveria ser uma meta de auto-realização. Era simples demais para se tornar algo premeditado. Agora, sozinha entre as paredes da cozinha, essa conclusão lhe parecia óbvia. Os olhos carregam a frente nuvens de poeira, colocadas com o propósito fatal de instigar nosso aprendizado. O tempo que se leva para minimizar os grãos de poeira a átomos imperceptíveis é o que determina as datas felizes. Assim, ela pegou mais um copo de água. Era seu aniversario e ela ainda receberia tantas outras ligações cordiais. Algumas delas ainda empoeiradas. As mais cruéis, tardiamente limpas.