15.7.11

Era uma vez em Córdoba

Miguel nasceu em Córdoba, construiu sua família por lá, trabalha como taxista na capital há 33 anos e tem como meta de vida reconstruir a história de sua província com relatos que colhe de “pueblo” em “pueblo”.  Me contou tudo isso, despretensiosamente, em um corrida do estádio Mauro Kempes (onde estive acompanhando os jogos da Copa América) ao centro da cidade. O trajeto todo durou uns 50 minutos, mais do que costuma durar. Para mim, uma demora proposital.  Miguel, assim como gosta de ouvir as histórias de sua gente, tem orgulho de contar sua paixão a quem demonstre se interessar. Assim, nesse tempo que, para quem tem pressa de chegar parece muito e para mim, que tinha sede de ouvir, foi pouco, ele me falou sobre sua história tão entrelaçada com a história do outro.

A primeira coisa que me contou, e sobre a qual concordamos facilmente, é que tem uma admiração muito grande pela província onde nasceu e que esse sentimento vem, em grande parte, pelo povo cordobes. “La gente mas buena de la Argentina”, como já me haviam dito em outras tantas províncias pelas quais passei nesse período de intercambio. Essa paixão foi o que fez com que Miguel adotasse sua gente de todas as maneiras que lhe foi possível.

Separado há alguns anos, vive sozinho. Solidão que parece não incomodar. Com quatro filhos adotivos, Miguel está sempre com a casa cheia. “Os meninos perderam os pais em acidente e não tinham com quem ficar. Eles não queriam se separar na adoção e eu e minha esposa decidimos criar os quatro”. Apesar da separação afirma convincente que não perde o contato com “los chicos” que, em algumas situações, lhe acompanham em meta.

Há 18 anos, Miguel escuta e registra histórias da sua terra. Em seu tempo livre, pega o carro e percorre pequenas cidades da província de Córdoba. Já conheceu 68 “pueblos”. “Eu descubro lugares que ninguém dá importância. Conheci cidades habitadas por duas ou três famílias e quem nem constam no mapa. Tive contato com a gente da minha província”. Anota tudo o que vê pelo único motivo da lembrança pessoal: “Eu não pretendo nada com o que eu faço. Quero apenas saber como é o lugar que eu vivo e as pessoas que fazem parte da minha história”.

História essa que ele faz crescer a cada vez que, além de escutar e escrever, leva consigo as histórias que ouve. “Em San Carlos eu descobri uma família de 15 pessoas vivendo embaixo de uma árvore. Eu nunca tinha visto nada igual. Precisava fazer algo por eles”. Miguel buscou ajuda. Conversou com amigos, com a prefeitura, e mexeu no seu próprio orçamento. Em menos de dois meses, a família tinha uma casa. “A municipalidade doou o terreno e eu e um amigo construímos com as nossas mãos”. Esforço que teve sua recompensa. Enquanto conta, ele esboça um sorriso e, pelo retrovisor, eu vejo o orgulho em seu rosto. A família hoje entra na lista dos grandes amigos de Miguel que, por tanto apreço, ajuda um dos meninos nos estudos. “Enquanto eu puder, vou cuidar dele como filho”.

A idéia de Miguel é continuar o seu projeto “para siempre”. Com os seus estudos da vida – ele não terminou o secundário – aprendeu onde está a verdadeira história das coisas: “A verdade está no que as pessoas contam. São elas que sabem o que está acontecendo no mundo em que vivem. O mundo que é ao redor delas”. 


Miguel me ajudando: de uma história a outra a gente brinca de construir o mundo.